De onde vem o trote?
Muitos estudiosos do tema concordam que os trotes têm origem na Europa da Idade Média¹, quando o conceito das universidades começou a ganhar dimensão. Nessa época, uma cena era comum: os veteranos não se misturavam com os calouros e, quase sempre, as aulas eram realizadas em locais diferentes. Além da separação, os bixos tinham as cabeças raspadas por questões higiênicas.
No Brasil, os trotes apareceram bem mais tarde em relação aos países europeus. Essas brincadeiras tiveram os seus primeiros registros após a chegada da Família Real, em 1808, época em que surgiram as universidades no país. Mesmo assim, sem tradição, nos primeiros anos, os estudantes brasileiros seguiam o exemplo europeu, copiando principalmente os trotes utilizados na Universidade de Coimbra, em Portugal.
Segundo Antonio Zuin, professor do departamento de Educação da Universidade Federal de São Calos (UFSCar) e autor do livro “Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação”, a origem do termo "trote" é uma alusão à forma pela qual os cavalos se movimentam entre a marcha lenta e o galope. A aplicação da palavra ao mundo das relações entre calouro e veterano tem, na visão de Zuin, um significado claramente negativo. É como se o primeiro devesse ser domesticado pelo segundo "por meio de práticas vexatórias e dolorosas, que têm a função de esclarecer quais são as características das respectivas identidades". Outro termo do vocabulário do calouro, "bixo", no contexto do ingresso na universidade é utilizado para designar os novos alunos: um trocadilho em que a letra 'x' indica, depois do vestibular, aquele que está marcado.
Trotes que marcaram (Linha do Tempo)²
O primeiro trote universitário violento registrado no país ocorreu em 1831 e acabou em morte na Faculdade de Direito de Olinda. Desde então, a maioria das instituições proíbe a prática, mas o ritual continua e, em muitos casos, com bastante violência.
Em 1962, durante a festa de recepção da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), um dos novatos de medicina foi pego pelos veteranos para uma “brincadeira” de boas-vindas. Forçado a se despir completamente, o garoto foi obrigado a entrar em um barril cheio de água misturada com cal. O estudante teve boa parte do corpo queimada e acabou morrendo. Três anos depois do incidente, em 1965, a PUC proibiu o trote na instituição.
Em Mogi das Cruzes, município da grande São Paulo, um trote acabou em tragédia em 1980. Um calouro de jornalismo estava no trem da estação Estudantes, que liga a cidade à capital paulista, quando foi abordado por um veterano da universidade. Ao proibir que cortassem seu cabelo, o rapaz foi espancado até entrar em coma. Ele não resistiu aos ferimentos, e o agressor foi condenado a cinco anos de prisão.
Na Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Guaratinguetá, no vale do Paraíba, um garoto foi humilhado na frente de todos pelos veteranos do curso de Engenharia em 1993. Durante o evento, ele foi agredido pelos colegas e obrigado a amarrar um peso de 7 kg nos seus órgãos genitais. Logo após a violência, ele abandonou a faculdade.
Um rapaz teve fogo ateado em seu corpo durante o Mata-Toma, tradicional festa de recepção de calouros, na PUC de Sorocaba, em 19982. Após passar pelas repúblicas para beber, o garoto parou para descansar em um sofá. Enquanto dormia, outros estudantes resolveram abusar dele, colocando fogo em suas roupas. Ele teve 25% do corpo queimado.
O caso mais emblemático de trote violento³ aconteceu em 1999, na USP. Um dia após a festa de recepção, o calouro de medicina Edison Tsung Chi Hsueh foi encontrado morto no fundo da piscina da instituição. Após ser pintado, Edison seguiu, junto com outros calouros, para a atlética da USP, onde teria sido forçado a entrar na piscina sem saber nadar. Quatro estudantes foram acusados pela morte do rapaz. Eles foram denunciados pelo Ministério Público, mas o caso foi arquivado pelo Superior Tribunal de Justiça por falta de provas e os estudantes foram inocentados.
No interior de Minas Gerais, em 2006, um calouro foi despido e coberto de tinta. Não contentes, os veteranos ainda o obrigaram a deitar sobre um formigueiro. O estudante recebeu mais de 250 picadas e foi internado. A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) expulsou dois alunos e suspendeu outros 13. Um deles tentou recorrer da decisão, explicando que o trote foi realizado fora do campus, mas não obteve sucesso. 4
Em fevereiro de 2009, o calouro Bruno César Ferreira, de 21 anos ia começar o curso de veterinária da Faculdade Anhanguera, em Leme, interior de São Paulo. Além de ser obrigado a ingerir bebidas, e ter entrado em coma alcoólico, o calouro também teve de rolar em uma lona com animais mortos e fezes em decomposição. 5
Em 2010, sete estudantes da universidade em Barretos, interior de São Paulo, foram recebidos com jatos de creolina – um desinfetante industrial altamente corrosivo. Todos sofreram queimaduras de primeiro grau. O caso foi investigado pela polícia, mas acabou arquivado pelo Ministério Público de São Paulo um mês depois. 6
Em 2012, um trote na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, fez com que calouras utilizassem placas com os dizeres “cara de puta” e “cara de sapatão”. 7
1 http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/origem-medieval-trote-universitario
7 http://oglobo.globo.com/brasil/caso-de-estupro-abala-universidade-federal-em-jf-4719165
Reprodução internet.

Reprodução internet.
Trote da USP, 1999. Reprodução internet.
Trote da Faculdade Anhanguera, 2009. Reprodução internet.
Trote da Faculdade de Barretos, 2010. Reprodução internet.