
Luiza Dias
"A manhã foi longa e mal cheirosa e ninguém nos queria por perto, o que tornou a nossa incessante busca por algum dinheiro, ainda mais complicada. "
No dia 30 de setembro de 2013, um pouco mais de um ano atrás, eu vivenciei uma das experiências que eu tenho que certeza ficará comigo pelo resto da minha vida. Eu acordei pela manhã bem cedo, já que todos nós, calouros, deveríamos estar na Faculdade de Comunicação, muitos pela primeira vez, como eu, às 7h.
Levantei ansiosa, coloquei uma das roupas mais velhas que eu tinha trazido para Juiz de Fora, mal tive vontade de tomar café, me despedi da minha mãe, que estava me fazendo companhia na minha primeira semana fora de casa, e fui me encontrar com uma colega de sala, possível amiga que morava na mesma rua que a minha. Para a minha felicidade. Nos encontramos por volta de 6h30, e fomos para o ponto de ônibus, nervosas para chegar até a Universidade e tomar o tão famoso e mal falado trote. Esperamos alguns longos minutos pelo ônibus e chegando na Universidade, nos encontramos com outros colegas e como bons calouros nos direcionamos todos juntos, em bando, até o local marcado pelos nossos maldosos veteranos. Assim que a gritaria, os xingamentos e a humilhação começaram, eu me arrependi amargamente de estar ali.
De ter tomado a decisão de fazer algo que eu já imaginava que não seria legal, e mesmo assim, pela mais pura teimosia, eu fiz. Nos pediram para cantar hinos da Faculdade que eu não tinha decorado, fazer reverência a professores que eu não tinha a menor ideia de quem eram, colocar a testa na parede e não ter noção nenhuma do que se passava a nossa volta. Era puro terrorismo, se eu posso exagerar um pouco. Houve a distribuição das nossas tão queridas plaquinhas de identificação, e nesse momento o clima ficou mais leve, até que a nossa jornada começasse até fora da Universidade, onde tomaríamos o que todos chamam de “trote sujo” e as coisas só iriam piorar. E eu só pensava como poderia ficar pior do que aquilo? Mas sim, ficou.
Chegou o momento em que os veteranos querem se vingar de tudo o que eles passaram um semestre atrás e sem dó nem piedade, cortam todas as nossas roupas, e essa deve ter sido uma das piores partes pra mim e para muitas das meninas que lá estavam. A vergonha é enorme e você não vê a hora de começaram a te pintar para se sentir menos exposta, menos nua na frente de todas aquelas pessoas que parecem te odiar. A tinta é parte mais tranquila, depois é que a “sujeira” realmente começa. Farinha, ovo, café, mostarda, ketchup, banha de porco, canjiquinha, molho de alho, água de peixe e outras coisas que eu não consigo até hoje identificar, e acho que vivo melhor na ignorância mesmo. Nessa hora eu já estava acostumada com a situação, e a humilhação toda não existia mais, tinham um clima de leveza no ar e até de companheirismo.
Quando uma das meninas começou a chorar dizendo que estavam implicando, sendo mais duros com ela, eu pude realmente ver que era tudo uma brincadeira. O jeito como uma das veteranas falou com ela, se preocupou com ela, me fez ver que nada daquilo era pra ser ruim, era somente uma forma de expressar outro momento da nossa vida. Mas no fundo tudo o que eu queria era ir para casa, tomar um banho e me ver livre de toda aquela sujeira, mas como sempre fui daquelas que tem que fazer tudo como deve ser feito, fui fazer o que seria a parte mais difícil do meu dia. Sair pela rua e implorar por dinheiro de pessoas desconhecidas, em uma cidade ainda mais desconhecida para mim. Me juntei com duas colegas e fomos juntas, ficamos juntas até a hora de encontro com os veteranos, e eu sei que se não fossem por elas, eu teria me desesperado com muita facilidade. A manhã foi longa e mal cheirosa e ninguém nos queria por perto, o que tornou a nossa incessante busca por algum dinheiro, ainda mais complicada.
Por fim, conseguimos uma quantia razoável. Por volta de 12h, decidi que estava bom demais e que já podia ir para casa. O único problema era, eu não sabia direito onde estava e nem para que lado a minha nova casa ficava. Mas quem disse que eu pedi ajuda para algum dos meus colegas? Mais uma vez eu fui pela teimosia e resolvi que daria um jeito. Toda suja, de roupa cortada e mal cheirosa, saí pelas ruas da cidade e me orientei por placas de trânsito. Agradecendo a Deus pela minha recente carteira de motorista e melhor senso de direção adquirido na autoescola. Em alguns momentos me vi em total desespero, perdida e sem nenhum meio de me comunicar com ninguém, nem com a minha própria mãe, mas mesmo assim segui em frente. Acabou que eu peguei o caminho mais longo e complicado até chegar em casa, mas assim reconheci onde estava, um grande alívio me invadiu.
Cheguei em casa cansada e mau humor, mas nada que um banho de mais de duas horas não resolveu. As marcas da batalha ficaram comigo por mais de dois meses, um enorme roxo na perna devido ao tão famoso rolo compressor. Mas por incrível que pareça, toda vez que eu olhava para minha perna e me lembrava do desastroso dia que tive, eu me sentia feliz. Eu não mudaria a minha escolha de ter participado do trote. Por pior que possa ter sido em alguns momentos, é assim que a vida é. Nem tudo é como queremos ou esperamos que seja. E é como eu sempre pensei, eu prefiro me arrepender sabendo como foi, do que ficar naquela de “e se”.